24 fevereiro 2005

Palavras

As palavras não fazem sentido mesmo que saia algo, ninguém pode entender, nem mesmo o detentor. Cuida-se, mas sem saber exatamente o porquê; apenas praxe. As opções são complicadas, não há sossego independente da escolha. O ser passional, humano, a faca corta dos dois lados, existe dor de qualquer forma, a racionalidade é inútil. Os xamãs poderiam estar presentes agora e dar o veredicto, a águia viria buscar e guiar para o ciclo se completar, dando continuidade ao relativo. Entre nós resta a ausência, não exatamente o corpo físico bem lembrado; a energia apenas se desloca, terceiros especulam e sofrem, não se sabe ao certo se os argumentos procedem.

Líquido

As pálpebras pesam... Não é certo o que vai ocorrer, o sangue outrora dito ainda é quente, o amor irá não só prevalecer, mas aumentará a intensidade, tanto faz se o mocinho do filme vença ou não.

Transformação

Outra etapa. Pode ser que haja um chamado, existe certa insistência... Os terceiros se incomodam, mas eles não importam no final de tudo, o egoísmo aparente é apenas uma impressão. Sofrimento vencido, ao contrario da imaginação da hipocrisia; mais uma vez. O vermelho outrora exaltado possivelmente mude sua cor, embora o bem aventurado não perca Sua Majestade.

Não para mim. Jamais. Nossos fluxos se encontrarão.

Que assim seja.

18 fevereiro 2005

Essa não é a minha casa

Essa não é a minha casa. Nela o meu repouso não é absoluto; as minhas lágrimas não se sentem em sintonia com o travesseiro que existe lá. O espelho tem um reflexo diferente, causa desassossego, a gota de suor insiste em alojar-se na ponta do nariz. Um Puro Sangue veio me buscar, não há mais beleza no que deixei para trás, era tudo esquisito. Vim parar na casa. O animal está tenso, a paciência não parece presente, ainda assim, aguarda. Não aprendi a montar, a casa é incômoda, não é minha; cavalgo porque a distância é longínqua. Os desafios se destacam quando as possibilidades fogem covardemente, meu tempo de decisão foi curto, já está acontecendo. Sou guiado, ainda um pouco sombrio, o lugar vai perdendo as suas formas, a linha se despede de mim. O Puro Sangue sabe que eu não sei montar, agora ele é dono do meu destino.

14 fevereiro 2005

Ao mesmo tempo, em tempos diferentes

Se o meu queixo não te agrada, talvez seja porque eu ganhei uma cicatriz. Sim, nele mesmo, aquele que você adorava morder durante o coito. Os meus ombros já não te fascinam, é provável que largura imponente do passado tenha deixado saudades. Meus olhos já não lhe parecem tão vorazes, possivelmente a cobiça tenha mudado de foco. De minha parte. Se a postura que adotei antes era mais agradável no seu ponto de vista, fica claro que não nos pertencemos mais. De sua parte. As saudades que sente das minhas madeixas demonstra todo o desagrado que sente pela minha nuca. Isso pode ser bom; pelo menos você não se aproximará o bastante para me apunhalar por trás. Ou não; existe a chance de que queira se livrar da visão maldita. As pálpebras encobrem? O cinismo se agiganta por causa do tamanho dos olhos? Serve-me um café... Bem, continuemos... Ou não? Incomoda-te brincar com o passado? Se afeta dessa forma, "passado" não é a palavra mais apropriada. É que nem suco de polpa; se demorar muito de tomar, o grosso da fruta fica todo concentrado em cima, mas não se isola. Basta mexer que tudo se mistura novamente. Não, esquece o amor, bobagem, o retorno é possível para praticamente tudo, mas não de forma vulgar, o que vai e volta constantemente é bumerangue. Fume o seu último cigarro de haxixe e feche essa porta, ainda tem uma geada incômoda entrando.

02 fevereiro 2005

Solidão coletiva

Medo da morte. Do inevitável. Fuga eterna, planejamento constante de como se distanciar dela. Longe, muito longe. Só que pode acordar ao seu lado e você nunca irá saber se ela está ali. Talvez não seja sequer possível perceber que ela a pegou. De onde vem tamanha aflição? Sofrimento? Dor? Difícil de responder, não? São muitas opções, cada um tem uma ou várias, mas uma coisa é muito comum no subconsciente do ser humano; o temor ao desconhecido. A aversão ao escuro, o que não se pode ver causa insegurança. A sensação de estar sendo observada e nunca conseguir detectar se esse sentimento tem consistência real ou não passa de fruto de uma fértil imaginação. Existe alguém que coloca a mão em um buraco sem saber o que tem dentro com pleno conforto? Improvável. Se existisse um antídoto instantâneo que prevenisse a dor, o medo da morte terminaria? Qual a relação entre as partes?
A idéia da própria extinção mexe com muitos sentimentos relativos a vida, ao cotidiano. A solidão é um dos seus mártires. Se o conceito que a inexistência nesse plano conhecido por todos significa uma viagem para uma outra etapa da existência do ser, onde e como seria esse lugar? Quem estaria com você? O que seria pior? Ficar sozinha em um lugar desconhecido ou estar no meio de desconhecidos, sozinha? O medo do incógnito continuaria; a desconfiança em relação a seres humanos é tanto quanto o vazio do nada, das inúmeras possibilidades, boas e ruins, do monstro imaginário que te aterrorizava quando você era criança e que na fase adulta passou a ser engraçado e infantil. De repente ele volta a assumir a condição de assombro. Tudo passa a ser possível simplesmente porque o vazio está à sua frente. Você não sabe identificar nada, a visão lhe é inútil nesse momento. Isso seria a morte? Sem dor, apenas um lugar onde a compreensão social e cética perdesse o sentido? A loucura passaria a ser uma nova forma de interpretar o que a agonia causada pela solidão não explica? Pura especulação? Lógico, tudo é especulação, inclusive o próprio conceito da morte.
A ciência já pode controlar a dor, que te abandona sob efeito de remédios, mas não o medo, que apenas se transfere de foco; transforma-se, é mutável, oscila as suas dimensões. Encontra na não explicação plausível o seu maior alicerce. É engraçado como até no inconsciente somos arrogantes; se não conhecemos é porque tem algo de errado, vai nos fazer mal. O pavor da escuridão é pequeno em relação ao desconhecido, a prova disso é que você, garota, isso... você mesma, fecha os olhos aterrorizados ao encarar aquilo que não pode identificar.
A morte em si não limita o intelecto do homem, o medo dela é que destrói. O tempo se acelerou não porque o planeta o fez; é ao contrário. A terra é como um ovo; se você observá-lo em um microscópico, vai perceber que existem inúmeros seres vivos minúsculos, cada um batalhando pela própria sobrevivência. Se eles aceleram a própria destruição, mais rápido o ovo apodrecerá. O planeta segue o mesmo princípio e está cada vez mais claro, não é Deus que está de mau humor, como especulei outrora. Mesmo sem sentir, você está com muito mais pressa, se desculpando na velocidade da informação, na escravidão individual da Internet. Para que um garoto de doze anos vai querer descer para o playground do prédio e ver um amigo se no orkut ele pode ver todos ao mesmo tempo? Para que conversar com uma pessoa e aos poucos tentar descobri-la, desvendar os seus mistérios, se você pode checar tudo o que ela gosta, o que pensa, o que faz, com quantos transa, quais os interesses, em frente ao computador? O sexo ficou mais simples, mais rápido, o famoso MSN transforma os tímidos em garanhões, os feios tem a chance de mostrar lábia sem o pré-julgamento da aparência, e por aí vai...
O medo se transformou, você quer fazer e saber o máximo de coisas possíveis antes que a terrível morte chegue e te leve para o terror profundo do inexplicável. De tanto ajudar a acelerar os pensamentos, as atitudes e as mudanças, a coerência passa cada vez mais longe. Assim como o ovo, que pode apodrecer rapidamente, o planeta dá sinais claros que o maior medo de todos está batendo na porta e pela primeira vez, todos saberão o que é sentir solidão coletiva.

01 fevereiro 2005

Espécies e Subespécies - o primeiro diálogo

- O que é que te faz reclamar tanto?
- E quem te disse que estou reclamando? Apenas estou constatando. Tenho um conceito diferente: reclamação é inútil, coisa de quem gosta de falar e não faz nada. Eu faço, mas não me isento de argumentar sobre as coisas que não concordo. Não gosto da palavra "reclamar".
- Mas por que ir contra a sociedade, o que você tem contra as normas de boa convivência?
- Normas de boa convivência?
- Sim!
- Onde?
- Você critica a monogamia, a amizade, a televisão, a sociedade... Sei lá... Praticamente tudo!
- E daí?
- E daí que isso não é normal! Você sente as coisas dessa forma mesmo?
- Me responde uma coisa?
- Sim?
- Você é gay?
- Não.
- E se descobrisse hoje que era? O que faria?
- Porra, cara... Não sei...
- Você gosta de qual perfume? Qual você costuma usar?
- O que tem a ver uma coisa com a outra?
- Relaxe, apenas responda...
- Rapaz... Não sou muito de escolher, não... Mas tem que ser bem suave...
- O que faria se descobrisse hoje que gosta de perfumes doce e fortíssimo?
- Ué? Fazer o quê? Passaria a usar esse tipo, ora!
- Pois é...
- Pois é, o quê?
- Esquece... Você pode até entender, mas não vai achar lógica nenhuma...
-Tá certo... Mudando de assunto, você gosta de caçar? Fim de semana que vem estou indo para a fazenda de um tio meu que adora caçar. Ele tem algumas espingardas modernas e lá dá muita raposa. O que acha? É adrenalina pura, cara! Vamos lá!
- Você já caçou alguma vez? Como sabe que é tão bom assim?
- Há muito tempo atrás fui lá e consegui atingir uma delas com um tiro, mas não matei. A perseguimos com dois cachorros treinados, mas a filha da mãe conseguiu fugir, dá para acreditar?
- Dá...
- E aí? Aceita o convite?
- Rapaz, até aceitaria, mas, por coincidência, parece que você até adivinhou os meus pensamentos; estou indo caçar. Exatamente antes de te encontrar.
- Sério? Porra, cara, que legal! E cadê a arma?
- Vem aqui no carro que eu te mostro...

Segundos depois...

- Aqui está...
- Cara, que arma hardcore é essa?
- É uma Magno 44. Ela ficou famosa nos filmes do falecido ator, Charles Bronson. Lembra daquele filme, "Desejo de Matar"? Acho que é o mais famoso dele...
- Lembro, claro! Mas, velho, deixa de ser matuto! Não se caça com uma arma dessas!
- Quem te disse?
- Porra, cara, esqueceu que o meu tio é caçador? Tenho certo conhecimento! E nem é preciso saber de caça, oras! Isso é arma de polícia, sei lá...
- Exato!
- Exato o quê, rapaz?
- Serve para abater o animal que eu costumo caçar. É um bicho que possui uma superpopulação, se adapta em qualquer habitat, extremamente nocivo à saúde e o mais interessante: apesar de ser o maior predador do planeta, se comporta de forma patética quando está na eminência de ser abatido, pede clemência de maneira ridícula, grita por nomes que não consigo entender o significado. Apesar disso, é bem divertido. Não dá para comer, nem para isso o bicho presta, a carne é horrível, eu provei uma vez.

Arma apontada para os testículos

- Não, não faça isso! Ficou louco? Você é meu amigo! Qual o motivo disso tudo? Você não vai me matar, vai?
- Não, só vou te ferir... Quero ver o quanto você agüenta correr. Mas no fim, você vai escapar, eu sei que consegue... Gostos muito de sua espécie, por isso me especializaram nessa modalidade de caça. Vou atirar apenas no esquerdo para que você consiga ter fôlego o bastante para se distanciar do Stalin.
- Jesus Cristo! Meu Deus, quem é Stalin? (chora desesperadamente)
- É o meu Mastin Napolitano.

Tiro certeiro