31 maio 2007

Proibições

Impossibilitado de beber, de fumar coisas lícitas ou não, de comer qualquer coisa que não seja líquida ou pastosa, de engolir a própria saliva, de falar, até de transar. Sem apetite algum em virtude dos efeitos de um antibiótico “bomba atômica” que uma médica que se diz minha amiga insiste em me fazer tomar; e eu não tomava remédio algum há mais ou menos dois anos e meio. Não posso falar alto, não posso ficar tomando vento forte, não posso tomar chuva – coisa que eu adoro. Não posso ensaiar o caralho do meu roteiro de um projeto importante que já está mega atrasado em virtude de eu não poder fazer nada há quinze dias. Não agüento mais ouvir sermões de meus amigos que insistem em me lembrar que eu sou um mortal e parar de achar que sou super homem. Não sei para onde mandar tanto tesão acumulado, não sei como me livrar da insistência da minha mãe para que eu coma – porra, eu não tenho fome, vou fazer o quê? Tudo que eu como forçado me enjoa; até ovo, que eu adoro, está me dando náuseas só de olhar.

Como tudo na vida tem o seu lado bom, estou quase com o corpinho daqueles caras que fazem propaganda das cuecas Calvin Klein (é assim que escreve?). Cheguei a voltar a ganhar fã da minha barriga – tinha um bom tempo que eu não sabia o que era ter alguém admirando essa parte do meu corpo.

Já ouvir falar muito na tal da amidalite, mas nunca imaginei que isso doía tanto. Fora o fato de que quase fudeu o meu ouvido esquerdo. Aliás, para quê servem as amídalas? Chamou tanto à atenção da médica a situação “banheiro químico de carnaval” que a minha garganta se encontrava que ela arranjou uma camerazinha e bateu umas três fotos da pobrezinha; isso para usar como exemplo em suas aulas. Lindo, né? Enfim... Para o inferno com essa porra de amidalite.

07 maio 2007

Por Trás das Cortinas - Série 1

Fui caminhando em ritmo acelerado, não era possível ser mais rápido naquele momento. Porra, eu tinha acabado de acordar, a lerdeza ainda era o ponto mais forte da minha personalidade. Espera aí... É que tem uma porra de um cachorro aqui que ta achando que a minha perna é uma fêmea... O canino tá viajando que pode comer minha perna direita... Comer no sentido sexual mesmo... Sai daqui, caralho!

Voltando ao que eu estava tentando dizer: eu caminhava no máximo de aceleração possível. Meu corpo ainda esquentava. Uma pena que eu não tive tempo de me alongar um pouco, ajudaria bastante. Apareciam pessoas bem estranhas no caminho. A primeira delas que realmente chamou a minha atenção foi uma senhora idosa vestida de bombeiro fumando um cigarro de haxixe. Eu a cumprimentei e ela me ofereceu uma tragada. Não aceitei, agradeci e segui em frente. Quando eu estava distante dela, ouvi um grito.

- Me chamo Ângela, querido, o que precisar por aqui me fale, ok? Principalmente se for conselhos, ta?
- Ta Ângela! Prazer e coincidência! Me chamo Angelo também! Por que a senhora está vestida de bombeiro? Tem alguma festa à fantasia por aqui por perto?
- Não meu querido... É porque nesse lugar onde vivo, tudo é imprevisível! Quando você menos espera, pega fogo em alguma parte dele! Mas eu amo o lugar que eu vivo. Ele é real, verdadeiro... Por isso é tão instável...

Segui e não dei muita atenção para a coincidência... A estrada era exótica e depois de mais uns vinte minutos andando, passou um garoto de uns onze anos e eu sorri pra ele...

- Tudo bem, garoto?
- Não, não está... Vai tomar no seu cú!
- Ei, por que tanta raiva?
- Por nada, Angelo... Mas vai tomar no seu cú, antes que eu me esqueça!
- Como sabe meu nome?
- Não interessa! Vai tomar em seu cú!
- Ei pequeno! Você é muito mal educado, sabia? Vou falar com a sua mãe? Cadê ela? E como você se chama?
- Meu nome é Angelo e a minha mãe está na puta que lhe pariu!
- Seu nome é Angelo?!
- É sim, idiota! Tenho o desprazer de ter esse nome cretino! A vaca da minha mãe me deu esse nome em homenagem ao corno do meu pai, que também tinha esse nome. Fora a homenagem a ela mesma.
- Espera aí... Todo mundo na sua família tem esse nome?
- É sim, retardado! Será que você consegue me fazer uma pergunta mais óbvia do que essa? Vamos lá! Se supere e me surpreenda!

O tom de deboche e a fúria do menino me deixou completamente sem saber o que fazer...

- Bem, até logo... Não vou ficar aqui ouvindo uma criança satânica me agredir verbalmente! Ô seu desajustado, vá procurar uma terapia!
- Pode deixar que eu já tô me tratando com a vagabunda da sua mãe!

Depois dessa só me restava continuar. Acelerei um pouco mais, a delicadeza do guri me deu uma injeção de adrenalina. Cheguei a um lugar iluminado, uma luz meio azul... Lindo... E dava uma sensação de calmaria... Uma mulher jovem, linda, de uns vinte e poucos anos, veio falar comigo. Parecia um anjo, bonita pra caralho...

- Olá! Está indo pra onde?
- Não sei... Estou caminhando, meio sem rumo... Como é seu nome?
- Meu nome? Não me conhece?
- Não... Nunca te vi, pelo menos que eu lembre...
- Então é a primeira vez que vem por essas bandas de cá, não é?
- Eu sempre pego a estrada principal, mas chega um momento que tem um monte de desvios. Eu sempre escolho um deles e sigo... Parece interminável o número de caminhos...
- Há ta! Entendi... Bem, meu nome é Ângela.
- Como?
- Ângela.
- Ângela?
- Sim, Ângela.
- Como pode se chamar Ângela? Passei por uma senhora no início da caminhada que se chamava Ângela... Não é um nome muito comum... Depois topei com um garoto psicótico que, além de xingar todos os meus antepassados, tinha uma família inteira de "Angelos"...
- Se você já tivesse passado por aqui, saberia o porquê...
- Nossa... Que estranho...
- Hahahahahahahaha! Não seu bonitinho, não é estranho não... Relaxe!

Aquilo me fascinava, a energia dela era incrível e ainda tinha um sorriso maravilhoso; até esqueci um pouco do garoto.

- Além disso, Ângelo é o meu nome...
- Eu sei.
- Como sabe?
- Porque eu sou você.
- Como assim, mulher?
- Eu sou você. Um pedaço de você. Um pedaço minúsculo... Mas sou parte dos pedaços que te amam...

Tudo era muito esquisito e, apesar de ter ficado atraído por ela, segui em frente.

- Bem, to indo nessa, viu? Beijo!
- Vai lá! Olha... Não fica assustado com nada não... É complexo mesmo, apenas aceite e observe. E se lembre: eu amo você! Quando o ódio aparecer, lembre de mim com carinho! De mim e de outros que aparecerão!

Segui o caminho sem entender muita coisa, como aquela mulher bonita e iluminada poderia me dizer que ela era um pedaço de mim e se chamava Ângela? “Que loucura!”, pensei...

Cheguei a um ponto meio sombrio da estrada. Era cinza escuro o lugar. Vinha em minha direção um homem de bicicleta. Eu continuei, pensei em cumprimentá-lo, mas os meus encontros naquela estrada estavam sendo tão estranhos que eu fiquei na minha.

Quando ele passou por perto de mim, parou a bicicleta e ficou me olhando com cara feia. Estava há uns cinco metros de distância... Bem, não tive muito que fazer a não ser falar com ele.

- Olá... Algum problema?
- Sim, tem um problema sim...
- O que houve?

Ele se aproximou e repentinamente me deu um soco na cara. Caí no chão tonto e com uma dor no queixo...

- Ficou maluco? Por que fez isso?
- Vá embora! Siga o seu caminho, mas volte, não venha por aqui! Vá por outro, cai fora!
- Por que isso, cara? Você me machucou e nem me conhece!
- Cai fora!
- Quem é você, afinal? Quem é você para achar que pode me agredir e que tudo vai ficar por isso mesmo?
- Sou Ângelo e posso fazer o que eu quiser!
- Como?
- Ângelo, seu imbecil! Você é surdo? Cai fora!

Não quis discutir mais, aquilo tudo já estava me assustando. Virei às costas e comecei a correr, voltando todo o caminho que eu tinha feito. Quando eu já estava bem afastado daquele louco, ainda ouvi uns gritos.

- E lembre-se, seu verme: Eu odeio você! Queime no inferno, seu imbecil!

Aquele ódio todo me apavorava, eu nunca tinha visto aquele cara na vida e ele me odiava. Lembrei da linda garota que disse que me amava, enfim... Corri muito, com toda a minha energia, senti um tormento louco. Retornei pelo mesmo caminho, mas não vi ninguém: nem a senhora vestida de bombeiro, nem o menino mal educado e nem a garota linda. Continuei correndo, mesmo ofegante, só fiz acelerar mais e mais...

Então eu abri os meus olhos...