31 julho 2007

Um Anjo da Guarda Abandonado - Parte 2 (Raul)

Depois de meia hora de sono, completamente bêbado, fui acordado pelos meus amigos que estavam insuportavelmente bem humorados. O teto estava rodando em direções diversas e eu fui até o quarto onde Cury estava dormindo. Quer dizer, dormindo não, quase morto. Ele estava na parte de cima de um beliche e eu deitei na parte de baixo, do lado inverso. Trocamos olhares de desespero sem sequer ser citada uma palavra. Eu pensava dialogando com ele.

- Man, é óbvio que nós não vamos, né?
- Rapaz... Precisamos ir... Seria a desfeita do ano...
- Sério? Subir a cachoeira da Fumaça, Cury? Assim? No estado que nos encontramos? Man, acho que não consigo subir nesse beliche...
- Rapaz, nos fudemos, mas vamos ter que ir...

Levantamos sem dar uma palavra sequer. Executei a pior escovada de dentes da minha vida, a pasta de dentes tinha gosto de Abaíra. Seguimos para a van, já estavam todos nos esperando. Cury entrou no carro e contou uma piada rápida e ridícula. Só eu ri. Contou outra, pior ainda. Só eu ri novamente. Ao contar a terceira, que eu mesmo já estava constrangido por estar achando engraçado, ele se tocou.

- Man, por que ninguém está rindo de minhas piadas, aliás, só você está achando graça?
- Cury, eu estou bêbado e te dando apoio moral. Vamos precisar um do outro, estamos prestes a subir a Fumaça de virote e com litros de cachaça no organismo.
- Porra, man... É mesmo, né? To enjoado pra caralho...
- Felizmente eu não estou. Pelo menos por enquanto...

Chegamos ao local para estacionar o carro. O motorista da van se chamava Salvador. Era uma cara que vivia com um sorriso na cara, meio de deboche, sei lá. O pessoal estava empolgado, combinando a velocidade da subida e os pontos onde todos deveriam parar para descansar e tomar água. Eu tentava lembrar de alguma oração judaica cristã e Cury começava a perder a cor dos lábios.

Iniciamos a subida e em menos de cinco minutos o pessoal já estava lá na frente. Eu e Cury ficávamos cada vez mais para trás ouvindo gritos da minha namorada.

- Vamos, meu gato, acelera! Você não é atleta? Puxe Cury com você!
- Pode deixar! Vamos lá, Cury, vamos dar um gás!

Era impossível. Eu tentava dar um apoio, mas o cara estava parecendo Bela Lugosi nos filmes antigos do Drácula.

- Ângelo...
- Diga, Cury...
- Man, eu preciso parar...
- Como assim? A trilha começou agora, man...
- Man, eu preciso vomitar...
- Putz... Bem, pode ser até melhor mesmo, assim você melhora...
- Man, vou parar nessa pedra aqui...

Tentei gritar para o pessoal esperar, mas estavam muito longe, desisti. Cury começou a botar as tripas para fora. Era deprimente ver aquilo, mas eu precisava dar uma força e ficar por perto. Segurei no ombro dele, sabem aquela história de “você não está sozinho”, né? O vômito tinha cheiro de cachaça, tive que me afastar ao sentir para que eu mesmo não vomitasse.

- Ângelo?
- Diga, man.
- Escoste aqui na pedra...
- Para quê, man?
- Venha cá, porra!
- Man, para quê? Quer que eu veja o seu vômito, é?
- Exato...
- Vai se fuder, Cury! Não acha que tenho mais o que fazer? Que fetiche doente é esse?
- Não man, relaxe, chegue aqui, na moral...
- Porra... O que é, desgraça?
- Olhe aqui...
- O que é que tem? To vendo uma poça de vômito com um cheiro horrível de cachaça. O que tem de interessante nisso?
- Man, tem uma formiga tentando sair da poça de vômito, veja isso. Acho que afoguei a coitada. Será que devemos ajudar? Devemos tirar ela daí?
- Man, sei lá... É uma imagem bizarra mesmo... Tira ela daí.
- Não man... Tire aí, na moral...
- Como?
- Tire aí, por favor...
- Eu?
- É...
- Como assim?
- Porra, man, salve ela... É desnecessário, estamos em um lugar desses, vamos matar uma formiga? É foda, né?
- Sim, man, concordo... Mas você quer que EU tire ela daí?
- É...
- Por que eu? Ficou maluco? Você vomita o seu intestino inteiro e quer que eu meta a mão nessa gosma para salvar uma formiga? Por que você mesmo não enfia a mão aí? O vômito é seu, não é?
- Porra, man... Tenho nojo...
- Não diga! Você tem nojo do seu vômito... E o que te faz achar que eu não tenho, seu sem noção?
- Porra, man, você é meu amigo...
- Cury, na moral, vomite sua porra aí, na boa... Não vamos para o inferno só porque você assassinou uma formiga, em pleno Vale do Capão...
- Man...
- O que é, Ricardo Cury?
- Eu não vou dormir direito se não salvarmos essa formiga...
- Man, pelo tempo que estamos tendo essa discussão imbecil, ela já deve ter morrido. Ou então está bêbada...
- Não, não morreu não, olha aí, ela ta andando ainda. Ou melhor, nadando...
- Man, eu não vou enfiar a mão aí...

Enquanto a gente discutia, o grupo inteiro voltou e viu aquela cena toda: Cury deitado na pedra, com o rosto totalmente pálido, a boca branca e toda melada, e eu com a cara mais irritada do mundo. Minha namorada já demonstrava sinais de chateação.

- Porra, Ângelo! A gente veio para o Capão fazer essa trilha, curtir o nosso aniversário de namoro aqui... Aí você enche a cara no primeiro dia, some a noite inteira e me deixa dormir sozinha... Agora ficam os dois imbecis passando mal aí, em plena trilha da Fumaça... Por que vocês não voltam? Que porra!

Ninguém deu uma palavra. Tive que engolir essa bronca calado. Todos ficaram em silêncio por uns vinte segundos. Esse silêncio foi quebrado.

- Rauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuullllllllllllllllllllllllllllll! Rauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuullllllllllll! Rauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuulllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll!
- Pessoal, sei que estão putos com a gente, mas será que não percebem que Cury não está bem?

Essa frase de clemência só piorou a situação com a minha namorada.

- Ângelo! Vocês deveriam ter pensado nisso ontem! Sabiam que nós íamos fazer a Fumaça, porra! Às seis da manhã! Beberam porque quiseram! Fodam-se os dois! Cury, tomara que você vomite os seus testículos pela boca!

Ninguém falou mais nada e o grupo continuou. Cury, depois de mais uns dez segundos de “gofadas”, fez um esforço monstruoso e se levantou.

- E aí, Cury? Tem condição de continuar? O “raulll” já te deixou melhor?
- Não...
- Mas vai deixar... O “raul” é o anjo da guarda dos bêbados que estão sofrendo de enjôo... Quer voltar?
- Não...
- E aí? Eu também estou fudido, mas posso continuar... O que acha? Agüenta?
- Não...
- O que faremos então? Quer dar um tempo aqui sentado e depois continuar?
- Não...
- Porra, man! Você quer fazer que porra então? Pare de dizer “não”, porra! Parece um papagaio!
- Ta, man... Vamos sentar uns dois minutos, eu preciso me situar, tem um monte de montanhas rodando, ta foda... To vendo até passarinhos azuis na minha frente, de não na merda que estou...
- Cury...
- Que é?
- Os passarinhos azuis que você está vendo realmente estão aqui em nossa frente, seu imbecil... Essa imagem não é fruto de sua imaginação bêbada... São comuns aqui na região...

Ficamos sentados quietos um tempo até ele se recuperar e seguimos com um pouco mais de pressa para tentarmos alcançar o nosso grupo.

23 julho 2007

Um Anjo da Guarda Abandonado - Parte 1

Continuando a sessão flashback, aí vai um resumo verídico que aconteceu há uns oito anos atrás, em Lençóis, Chapada Diamantina. Fiz esse texto há alguns anos, mas nunca cheguei a postar. Lembrei de alguns detalhes ao conversar com Cury, o amigo que estava comigo na inusitada situação. Dividi em três partes para não ficar uma Bíblia.


Um Anjo da Guarda Abandonado - Parte 1

Chegamos a Lençóis de noite, eu e uma garota que namorava comigo na época. A turma que nos esperava já estava altamente carregada de Abaíra, cachaça típica da região. Cheguei empolgado, apesar de ela estar o tempo inteiro em crise de tpm; eu respirava um pouquinho mais alto, ela ficava puta da vida. Sentamos na mesa, o pessoal estava comendo, depois de beber muito. Do grupo, apenas Cury não estava alcoolizado por ter feito o processo inverso: comeu primeiro e estava começando a beber. Fui logo intimando ele...

- Cury, vamos pedir uma garrafa lacrada?
- Man, vamos “lamar”! Hoje é o primeiro dia!
- Beleza, perfeito! Quero ficar irracional...
- Pede aí, man!
- Ok! Péricles traz uma garrafa de Abaíra, por favor?

Péricles era um garçom engraçado que tinha em Lençóis. Trabalhava em um bar chamado “Veneno” e tinha o costume de ficar bêbado durante o seu horário de trabalho. Ele ficou atendendo a nossa mesa; cada vez que trazia algo, se mostrava mais chapado. Minha namorada começou a se irritar de verdade...

- Querido, você acabou de chegar e vai encher a cara? Esqueceu que temos uma trilha amanhã às seis da manhã para a Cachoeira da Fumaça?
- Relaxe nervosinha... Sei o que estou fazendo...
- Há é? Ta bom... Eu vou para o hotel então!

Ela seguiu com o pessoal que queria descansar, a gente ia para uma trilha de manhã cedo, mas eu e Cury estávamos realmente querendo beber. No dia seguinte a gente ia se preocupar com a Fumaça. Mas naquele momento, o “foda-se” estava ligado...

Já na metade da garrafa, eu comentava com ele sobre como é dúbio conviver com uma mulher brava e ciumenta. São o amor e o ódio oscilando durante o dia, sempre de forma intensa... Fato que eu não acho ruim, apenas engraçado.

Papo vai, papo vem, e começamos a observar uma mesa ao lado. Três garotas lindas e uma delas eu conhecia. Ela veio falar comigo.

- Tudo bom, como está? Coincidência você aqui! Chegou quando?
- Hoje. Tudo bem comigo sim, bom te ver...
- Fica até quando?
- Vou ficar uns cinco dias, mas isso é sempre imprevisível...

O diálogo ia rolando e Cury olhava para ela com fisionomia idiota; cara típica de homem que está pensando: “puta que pariu, que mulher gostosa”! E de fato ela era maravilhosa. Ela pediu um pouco da bebida.

- Você me dá um pouco dessa Abaíra? Queria provar... Nunca tomei e todo mundo fala...
- Lógico, pode pegar o quanto quiser...

Cury evoluiu a cara de idiota para a proposta mais óbvia, idiota e clichê do universo masculino.

- Olha só... Por que não senta na mesa com a gente? Pode beber à vontade... À propósito, eu me chamo Cury. O mal educado do Angelo, que não nos apresentou, percebi que já conhece, né?
- Prazer Cury... Ora, não fale assim dele... Agradeço o convite, só que estou com duas amigas ali...
- Bem, chame elas, não vão me incomodar... Te incomodariam, Angelo?

Pensei alguns segundos e imaginei minha namorada mal-humorada voltando do hotel e me vendo com três mulheres lindas na mesa... Aí eu lembrei que o meu “foda-se” estava ligado, apesar que eu não pretendia fazer nada demais; bem, essa pretensão sofria ameaças de não se cumprir a partir das doses que eram consumidas. Enfim... Ela voltou para a mesa dela e eu comecei a imaginar que aquilo ia dar em merda. Começaram a conversar sobre nós dois e fizeram questão de que isso fosse notado. E estavam falando bem.

Esvaziamos uma garrafa e Cury pediu mais duas doses...

- Péricles... Ffem cá, man... Manda ooutra garrafa aí, na morall...

A essa altura, tanto a visão dele quanto a minha se fundiam em um foco: o foco embaçado. Tudo que era um, passou a ser dois, e assim por diante.

- Cury vvamoxx nessa, man... A xxgente vai acabar faxzendo merda... Vocxcê até pode... Eu não... Não querxo ser axssassixnado em plena Xxxxapada Diamantina...
- Ok man... Vamxus nessssa... Vou xxer xsólidário com voxxcê...

Seguimos por Lençóis fazendo o caminho em “S” procurando qualquer boteco que não tivesse mulheres maravilhosas. A intenção era apenas beber muito, mais ainda do que já tínhamos bebido. Eu tinha acabado de chegar à Chapada e nada justificava eu fazer bobagem logo na chegada.

Andamos um tempão, nos perdemos uma vez, até que paramos em frente a um boteco daqueles dos mais ralés possíveis. Cury parou em frente ao local, que só tinha duas mesas imundas, três cadeiras em uma delas; a outra mesa sequer tinha uma cadeira por perto. Um garçom com cara de “quero dormir, desgraça, por que vão sentar aqui” olhou para nós dois. A gente estava bêbado demais para ter alguma consideração ao olhar de clemência do indivíduo... Eu puxei conversa...

- E aí, man... Belexxxza? Tem Abaíra aí?
- Tem.
- Bota uma garafffxa aí pra xxgente, ta?
- Vocês vão querer Abaíra, é?
- É...
- Tem certeza?
- Tenho... Por que eu exxtaria pedindo se eu não quixsesse?
- Vocês estão bastante “altos”, por que vão beber mais?

Começamos a perceber que o garçom estava fazendo de tudo para nos dispensar. Eu fiquei um pouco sem graça, mas enquanto pensava no que deveria fazer, Cury se antecipou.

- Man... Na moral... Pare de perrguntar axx porra e bota aí a parada...
- Ok... Vou trazer. Podem se sentar.
- Ninhummma... Você é brother, eu tôooo ligado que vocxxxcê é da galera, é da “lama”...

O garçom não demonstrava muita animação e nem achava graça em ter dois bêbados andando igual aos zumbis dos filmes americanos de terror no bar dele. Sentamos e tomamos quase meia garrafa. O tempo foi passando, papeamos, falamos mal de um monte de gente, falamos de ex namoradas, futebol, a fome no mundo, sobre como é ridículo o cabelo do Silvio Santos, sobre como seria legal ganhar na loteria, sobre como salvar o mundo, sobre a bela silhueta da Silvia Saint, enfim...

O dia começou a amanhecer. O garçom já estava com cara de quem ia dar um tiro em nós dois, até que Cury teve uma brilhante idéia.

- Garçom, txxxira uma ffffoto da gente aqui, na morébis?
- Me dê a máquina...
- Aqui... Toma... Ô! Aperta aqui, aí quando a luxxxx acender, você cscslica, ta?
- Ta... Eu sei tirar fotos, moço...
- Há ta... Eu tava ligado que voxxxçê é da galera...

Encostamos no balcão do bar e o cara tirou uma foto com imensa má vontade. Depois disso, Cury sentou em cima do balcão. O cara fez uma cara de puto e nem nos tocamos que tinha uma cartolina enorme pregada com duréx ao lado da gente; estava escrito “favor não sentar no balcão”. Só percebemos isso quando revelamos a foto, já em Salvador, ao voltar da viagem. Fomos embora do bar. Estava um frio desgraçado, o dia começando a amanhecer e percebemos que estávamos perdidos, completamente bêbados e não tinha ninguém por perto. Pensamos em voltar para o boteco, olhamos para trás e o cara tinha fechado tudo. Ficamos com vergonha de bater... Meus dentes iniciaram uma sinfonia irritante de choques: os dentes de cima versus os de baixo. Cury me olhava com um certo ar de desespero...

- Anxxgelo, o que ffvamos faxxzer? Você lembra o noxxme da pousada?
- nanananananann não...
- E aí? Man, vocxxxê ta conxxgelando, né? Ta foda essxxxe frio... Caralho!
- Mmmmmmmm man... vavavavavavvavvava vamos embora daqui! Pepepepepepepepepep pelo amomomomomommo de Dededededededeus!
- Como, man? Vamos pra ondxxe?
- Sesesese sei lá, inferno! Vavavavamos para algum lululululugar, porra!
- Vamoxxs pra onde, diga aí?

Eu não conseguia pensar direito. Apesar de a bebida ajudar a esquentar o corpo, o frio estava me matando. Passou um cachorro com cara de abandonado e um aspecto moribundo, andando lentamente... Ele estava indo por uma das inúmeras opções que tinham para nós seguirmos.

- Cucucucuccury... Vavavavavavamos seguir esse cacacachorro...
- Xxério, man?
- Vovovocê tem alguma idéia mememelhor?
- Não...
- Então cacacacale a boboca e vavavamos lá...

Começamos a seguir o bicho que ia tranquilamente enquanto eu pensava aflito qual seria o nosso destino. Não tinha outra opção, apesar de Cury ficar me olhando com cara de reprovação diante da minha idéia aparentemente imbecil.

- Porra, Axxngelo, que deprê! Exxstamos na lama, pexrdidos, bêbados e daqui a pouco teremos que sxsubir a Fxuxuxumaça...
- Cucucury...
- Oi...
- Vavavavai tomar nonono seu ccucucucucú...

Depois de uns quinze minutos caminhando e tentando adivinhar qual de nós dois iria morrer de frio primeiro, o desespero começou a bater de verdade. Eu não tinha mais condições psicológicas de bater os dentes. Cury então, parou admirado, do nada; parecia não estar mais bêbado...

- Man, olhe pra isso?
- Ooooo que é ininferno?
- O caxxxchorro, cara! Ele deitou!
- Nanananana não diga! Ele dedeitou? Incrível, né? Nnunununca vi um cacachorro dedeitar! Os cacacacachoros se deitam, é?
- Man, tô falanlanlanlando xxério! Olha onde ele deitou! Estamos na frente da pouxxsada, ele deitou no tapete da entrada da pouxxsada!

Em nenhum momento eu parei para pensar na explicação daquilo. O fato é que o cachorro deitou no tapete da entrada da pousada onde a gente estava e lá ficou. Entramos correndo para dentro, abri o quarto no pânico, implorando um lençol grosso. Cury foi para o outro quarto – eram dois grupos, em dois quartos. Não houve jeito de não acordar a minha namorada; eu estava com cheiro de posto de combustível e tremendo igual a um senhor de noventa e seis anos sofredor do Mal de Parkinson...

- Angelo, onde você estava?
- Me aqeqeqeqeqeqequece, ppopopopopor favor... Dedepois de rererespondo o quiquiquiquiser...
- Bem, eu já vou levantar. Já está na hora da gente se adiantar; contratamos um guia, meu amor. Vamos subir a Fumaça juntos, meu baby!
- Hã?
- É sim! Desculpa o mau humor ontem, meu baby, eu estava com cólicas... Mas estou ótima e super disposta! Huhuuuuuuuuuuuu!
- Hã? Ta didisposta, é?
- Muito!

Um desespero enorme tomou conta de mim... Ela me informou que eu tinha meia hora para dormir, depois desse tempo, iriam acordar a mim e a Cury...

18 julho 2007

Antigos

Imitando uma pessoa querida e aproveitando a minha semana menos atarefada do que o normal, resolvi mexer em textos muito antigos, ler novamente e relembrar como funcionava o meu cérebro em outros tempos. Achei algumas coisas divertidas, outras mórbidas e outras sutilmente idiotas. Vou fazer uma sessão flashback, iniciando com esse texto que saiu de um sonho acordado que tive há sete anos atrás.


Criaturas Tenebrosas

Criaturas tenebrosas passam ao meu lado e amedrontam pela feiúra. Seguem os seus ritmos sem me notar. Agradeço a indiferença. Às vezes olham, mas não há tempo pra parar. Agradeço a falta de tempo. Engano-me, talvez, em julgar ser feiúra, apenas a ausência da beleza. Frieza, talvez. Tristeza, com certeza.

Criaturas tenebrosas às vezes param. Olham. Observam rapidamente. Mas logo seguem caminho. Não tenho o que elas procuram, apesar de participar da rotina delas, sempre apreensivo. Nunca se sabe... Talvez eu pertença um pouco a elas, porém apenas uma parte não tão relevante.

Criaturas tenebrosas machucam. Não por instinto de defesa, mas por fascínio; mórbido e sádico. Sadismo e sarcasmo desenfreado, sem controle e sem compaixão. À procura do centro, mas não para estar sendo. Querem ser.

Criaturas tenebrosas atacam quem machuca. Destroem sem julgamento. Como pode ser isso, se as próprias criaturas tenebrosas machucam?

Criaturas tenebrosas não têm habitat. Não precisam de um. E como não precisam, se aproveitam disso. Saqueiam, transformam, se divertem e se livram facilmente da concorrência, que precisa de um lar.

Criaturas tenebrosas são urbanas. Decidem. Evoluem e fazem evoluir. Colorem, mas depois plastificam. Procriam-se com rapidez e são as únicas que conseguem construir um arco íris falso.

Criaturas tenebrosas são pragas e não foi descoberto um antídoto contra elas. São canibais, comem indivíduos da própria espécie.

As criaturas tenebrosas descobriram que tinham um habitat, mas que há muito tempo se modificou; perceberam que não são mais bem-vindas. Estão acuadas, agora. Não sabem como mudar isso.

Criaturas tenebrosas estão se matando.

16 julho 2007

Enxaquecas

Sempre aprendo algo com as minhas enxaquecas. Depois que parei de tomar remédios, elas se tornaram cada vez mais raras; e como toda beleza possui um toque de feiúra, quando elas resolvem aparecer, me pergunto se vale a pena estar vivo.

Nesses casos, minha veia masoquista se manifesta em forma de valor. Já que eu tenho que passar por certas coisas terríveis na minha existência – nesse caso, resumo essa teoria na enxaqueca absurda que tive esse fim de semana -, me sinto bem em ter escolhido viver, em vez de estar vivo.

12 julho 2007

Cavaleiros da Cydonia

Essa é a primeira vez que eu coloco a letra de uma música aqui. Nunca fiz homenagem a ninguém que não fosse eu mesmo e nunca publiquei nada que não tivesse saído da minha cabeça.

Bem... Como uma dos lados interessantes da vida são as mudanças, aí vai uma letra que eu me esbaldo sempre que lembro. Ela é curta, objetiva e vai direto na veia. "Não desperdiçe o seu tempo ou o tempo vai desperdiçar você"... Tenho usado muito esse trecho dela - involuntariamente - para provocar uma pessoa especial; isso me remeteu ao Muse. A música é cantada com uma fúria empolgante e é cheia de nuanças estranhas. Viva o Muse.


Cavaleiros da Cydonia

Vem cavalgar comigo
Pelas veias da história
Eu vou te mostrar um Deus
Que cai no sono na hora do trabalho

E como nós podemos ganhar
Quando tolos são os reis
Não desperdice seu tempo
Ou o tempo vai desperdiçar você

Ninguém vai me levar vivo
Chegou a hora de fazer as coisas certas
Você e eu temos que lutar pelos nossos direitos
Você e eu temos que lutar para sobreviver

06 julho 2007

Relógio Abstrato

Eu gosto de ser arrogante, amo provocar fúria inusitada e adoro ouvir música muito alta

Eu gosto de fazer carinho, amo beijar úmido e adoro manipular pessoas idiotas

Eu gosto de transar, amo a minha língua talentosa e adoro entregas insanas

Eu gosto de ter unhas afiadas me arranhando, amo beber lágrimas de amor e adoro dar risada despretensiosa

Eu gosto de machucar às vezes, amo pedir desculpas e adoro controlar a crueldade

Eu gosto de ser provocado, amo as diferenças e adoro ser vencido ou convencido

Eu gosto de Bon Jovi, amo dirigir e adoro o meu terapeuta

Eu gosto do escuro, amo ficar em dúvidas e adoro redescobrir

Eu gosto de esquecer compromissos por uma boa causa, amo ser irracional e adoro a inocência

Eu também odeio tudo isso