02 fevereiro 2005

Solidão coletiva

Medo da morte. Do inevitável. Fuga eterna, planejamento constante de como se distanciar dela. Longe, muito longe. Só que pode acordar ao seu lado e você nunca irá saber se ela está ali. Talvez não seja sequer possível perceber que ela a pegou. De onde vem tamanha aflição? Sofrimento? Dor? Difícil de responder, não? São muitas opções, cada um tem uma ou várias, mas uma coisa é muito comum no subconsciente do ser humano; o temor ao desconhecido. A aversão ao escuro, o que não se pode ver causa insegurança. A sensação de estar sendo observada e nunca conseguir detectar se esse sentimento tem consistência real ou não passa de fruto de uma fértil imaginação. Existe alguém que coloca a mão em um buraco sem saber o que tem dentro com pleno conforto? Improvável. Se existisse um antídoto instantâneo que prevenisse a dor, o medo da morte terminaria? Qual a relação entre as partes?
A idéia da própria extinção mexe com muitos sentimentos relativos a vida, ao cotidiano. A solidão é um dos seus mártires. Se o conceito que a inexistência nesse plano conhecido por todos significa uma viagem para uma outra etapa da existência do ser, onde e como seria esse lugar? Quem estaria com você? O que seria pior? Ficar sozinha em um lugar desconhecido ou estar no meio de desconhecidos, sozinha? O medo do incógnito continuaria; a desconfiança em relação a seres humanos é tanto quanto o vazio do nada, das inúmeras possibilidades, boas e ruins, do monstro imaginário que te aterrorizava quando você era criança e que na fase adulta passou a ser engraçado e infantil. De repente ele volta a assumir a condição de assombro. Tudo passa a ser possível simplesmente porque o vazio está à sua frente. Você não sabe identificar nada, a visão lhe é inútil nesse momento. Isso seria a morte? Sem dor, apenas um lugar onde a compreensão social e cética perdesse o sentido? A loucura passaria a ser uma nova forma de interpretar o que a agonia causada pela solidão não explica? Pura especulação? Lógico, tudo é especulação, inclusive o próprio conceito da morte.
A ciência já pode controlar a dor, que te abandona sob efeito de remédios, mas não o medo, que apenas se transfere de foco; transforma-se, é mutável, oscila as suas dimensões. Encontra na não explicação plausível o seu maior alicerce. É engraçado como até no inconsciente somos arrogantes; se não conhecemos é porque tem algo de errado, vai nos fazer mal. O pavor da escuridão é pequeno em relação ao desconhecido, a prova disso é que você, garota, isso... você mesma, fecha os olhos aterrorizados ao encarar aquilo que não pode identificar.
A morte em si não limita o intelecto do homem, o medo dela é que destrói. O tempo se acelerou não porque o planeta o fez; é ao contrário. A terra é como um ovo; se você observá-lo em um microscópico, vai perceber que existem inúmeros seres vivos minúsculos, cada um batalhando pela própria sobrevivência. Se eles aceleram a própria destruição, mais rápido o ovo apodrecerá. O planeta segue o mesmo princípio e está cada vez mais claro, não é Deus que está de mau humor, como especulei outrora. Mesmo sem sentir, você está com muito mais pressa, se desculpando na velocidade da informação, na escravidão individual da Internet. Para que um garoto de doze anos vai querer descer para o playground do prédio e ver um amigo se no orkut ele pode ver todos ao mesmo tempo? Para que conversar com uma pessoa e aos poucos tentar descobri-la, desvendar os seus mistérios, se você pode checar tudo o que ela gosta, o que pensa, o que faz, com quantos transa, quais os interesses, em frente ao computador? O sexo ficou mais simples, mais rápido, o famoso MSN transforma os tímidos em garanhões, os feios tem a chance de mostrar lábia sem o pré-julgamento da aparência, e por aí vai...
O medo se transformou, você quer fazer e saber o máximo de coisas possíveis antes que a terrível morte chegue e te leve para o terror profundo do inexplicável. De tanto ajudar a acelerar os pensamentos, as atitudes e as mudanças, a coerência passa cada vez mais longe. Assim como o ovo, que pode apodrecer rapidamente, o planeta dá sinais claros que o maior medo de todos está batendo na porta e pela primeira vez, todos saberão o que é sentir solidão coletiva.