23 novembro 2005

Desejo é o meu nome

Sou eu que vou dar as cartas, o dúbio ainda está presente, mas a sua força é cada vez mais restrita. Acabo por ser dominado, é bem verdade que gosto disso porque sempre ocorre quando eu quero. Talvez não mais. Eu ser forte o bastante para apenas me colocar no caminho oscilante do acaso é uma possibilidade que ainda me custa acostumar.

Desejo é o meu nome. Dou cria. Quando eu nasci, fui condenado a vagar em pensamentos, sem nenhuma perspectiva de findar o que me foi dado. O sono não é um descanso, é uma transferência, um estado diferente de pensamentos editados no subconsciente. Esse sou eu. Desejo é o meu nome.

Faço desenhos no corpo utilizando apenas um dedo. Isso não garante que conseguem interpretar. Às vezes escrevo, e quando termino cada letra, ela já se foi. A única maneira de saber é sentindo o meu indicador na pele e acompanhando o nascimento e a morte. Poucos possuem esse privilégio. Sim, porque meu nome é desejo. Posso machucar, mas ainda assim vale a pena sucumbir aos meus caprichos. Mesmo que o implícito me indique um lado de função vingativa, ainda assim eu não perdi a capacidade de amar. Não, não é o amor social, não é o amor de convívio, não é decorativo e nem comemorativo. É insano e completamente abstrato. É isento de divagações vulgares.

Desejo é o meu nome. Eu dou rosas e nem sempre a minha intenção é ter a minha beleza apreciada em toda a sua plenitude. Posso apenas querer utilizar os espinhos que possuo. Meus atos vampirescos acordam de vez em quando, mas bebo apenas sangue sagrado. E quando o meu instinto é tocado em sua profundidade, dou o meu sêmen em troca do sangue. Ou melhor, tento uni-los. E se consigo, acabo sendo eu, em minha plenitude, murmurando nos ouvidos para despertar desejos proibidos.

Desejo é o meu nome. Eu já menti, acreditei em minhas inverdades, já fui essência, mas nem sempre percebi. Já vi a luz e tive medo de encará-la e me cegar ao vê-la refletida no espelho. Conheci o inferno, talvez eu seja cria dele, já que o próprio me fortaleceu. Mastiguei almas inocentes, beijei bocas apaixonadas e brinquei com demônios alheios. Cheirei corpos perfumados, acariciei colos suados, senti fluidos de odor primitivo e animal que me remetem ao meu próprio nome. Minha língua passeou entre dedos de pés felinos, bebeu lagrimas de amor, e de ódio também. O meu amuleto sagrado já foi passado para outras mãos.

A loucura pode ser o meu destino e daqueles que da minha história insistem em participar, mas ainda assim, como eu disse outrora, vale a pena sucumbir aos meus caprichos. Cada loucura tem um dono e uma particularidade. Sei que os poucos escolhidos que terão coragem de compartilhar do meu poder feminino sagrado e do meu sol negro viverão fora da matriz sempre que se permitirem.