Maraú é um lugar mágico. Uma península paradisíaca no sul da Bahia. Tenho um primo, o Fábio, que eu chamo de Sabonete, que é como se fosse irmão: ele é proprietário de uma área linda, tem um lago fantástico no meio, ele montou um camping e fez a sua casa, há alguns anos. Há dois anos atrás eu resolvi passar quinze dias lá com ele, foi uma época boa para ir para lá, estava vazio, ficamos somente eu, ele e um argentino chamado Guilhermo. Ficamos na casa de Sabonete, que é uma casa bem interessante em sua decoração com troncos e plantas. O hermano portenho era gente boa, tinha aquele sotaque de quem está se esforçando para falar português, mas passa a impressão de que está com vinte balas Soft na boca. Era um maconheiro de mão cheia e estava portando uma das melhores ervas que eu já fumei na vida.
- Anxxelo, queres um bacheado?
- Sim, pode ser...
- Eu vai aperrtar um enroladito para vochê!
- Beleza, manda ver.
Eu tinha levado alguns textos de Freud e de Clarice Lispector para estudar e fora isso, passava o dia inteiro fumando maconha e analisando a vida. É engraçado como o contato com a natureza, depois de um certo tempo inserido nela, deixa a pessoa muito mais sensível. Sempre que eu fico em lugares como Maraú por mais de uma semana, volto para Salvador um tanto retardado, sensível e leve. E a falta do que fazer lá, mexia com a minha criatividade. Depois de fumarmos umas vinte gramas voltando de uma caminhada, dei de frente com uma aranha caranguejeira enorme e peluda, no meio da trilha. A minha reação foi parar e ficar mudo. Enquanto eu analisava o que eu faria naquela situação em frente a aquele ser diferente e cheio de pernas, Sabonete se aproximou e colocou uma caixa vazia grande de cigarrilhas espanholas que ele tinha na mochila e prendeu a aranha. Fez isso com tamanha calma e aquilo me pareceu tão fácil que eu me senti humilhado. A questão é que eu sempre fui bem curioso em relação a determinados assuntos e sugeri que a gente a levasse para o camping, colocasse em um pote grande de vidro e deixasse-a por uns dois dias lá; a idéia era que sempre que a gente fosse fumar maconha, soltasse a fumaça para dentro do vidro. Eu não sei por que, mas os dois toparam. Chegamos ao camping, Sabonete pegou um pote enorme de vidro e deixamos ela lá dentro, aberto mesmo, ela escorregava, não conseguia sair. Batizei-a de Marta. Até a hora que fomos dormir, fumamos uns seis becks e durante todos eles, soltamos a fumaça dentro do vidro. Aparentemente, ela não tinha nenhuma reação anormal, até porque ela iria fazer o quê?
Eu estava tão chapado que deitei e dormi, coisa que nunca faço, nem bêbado, sempre demoro, frito em pensamentos antes de conseguir pegar no sono. Acordei muito cedo, umas seis da manhã, fui ao banheiro e voltei a dormir. Nesse voltar a dormir, sonhei que eu estava em uma rede tomando água de coco e balançando as pernas. Eu apertava o canudo – hábito que eu tenho mesmo, ajuda a dar a impressão que estou economizando e que sobra mais – e no momento em que eu tirei o canudo do coco, pulou uma aranha enorme no meu peito. Estranhamente eu não sentia medo, fiquei apenas parado. Ela olhava para mim, eu conseguia entender que ela me analisava.
- O que foi que eu te fiz? Perguntou com uma voz macia
- Nada... Não fez nada?
- Então por que não me deixa seguir o meu caminho?
Nesse momento eu acordei com uma vontade forte de vomitar. Nem cheguei a respondê-la no sonho. Saí correndo em direção a mesa onde estava o pote com a aranha. Tudo o que eu queria era me livrar daquele sentimento tenebroso que eu estava no peito. No caminho até a mesa, passei por um espelho enorme que Sabonete mantém pendurado no corredor que dá para a sala. Confesso que não estava me reconhecendo. Não sabia identificar se era vergonha, sei lá... Eu simplesmente não queria ver meus próprios olhos. Quando cheguei à frente da mesa, dei de cara com o pote vazio.
- Puta que pariu! Sabonete! Guilhermo! Cadê a aranha? Caralho, cadê a aranha?
- Qual foi man, que escândalo é esse? Questionou-me, Sabonete, que veio correndo.
- Man, a aranha, cara? Cadê a porra da aranha?
- Há, é isso, é? Porra! Relaxa, ela não ta solta pela casa não, cara. To pensando que é algo sério para esse seu pití... Guilhermo a soltou de manhã, disse que sonhou com ela pedindo para ele soltá-la.
Na hora que Sabonete me disse aquilo com um ar de desdém, eu não conseguia processar direito o que tinha acontecido. Apenas voltei para a cama e deitei. Meu corpo estava totalmente arrepiado e os meus olhos encheram de lágrimas. Sabonete acabou percebendo que algo estava acontecendo e veio me indagar, mas eu pedi para que ele me deixasse sozinho, eu queria apenas ficar em silêncio absoluto. Guilhermo tinha saído, só estava eu e ele na casa. Nunca consegui desenvolver em palavras o que aquela aranha fez comigo, depois conversei com Guilhermo sobre o sonho que ele teve, foi diferente do meu, mas era exatamente o mesmo contexto. Não contei sobre o meu sonho, preferi apenas comentar por alto com Sabonete que eu tinha sonhado com uma aranha, mas sem entrar em muitos detalhes.
Ainda não sei bem os motivos, mas ando pensando muito nesse episódio...